terça-feira, fevereiro 05, 2013

Artigo de opinião: “sistemas eleitorais”, por Jorge Tavares

Muitos portugueses julgam que "vivem em democracia", porque "têm o voto". Mas poucos olham para o que esse voto decide: PRATICAMENTE NADA. A verdade é que os portugueses não têm os mesmos direitos políticos que os restantes europeus. Só são "cidadãos" para pagar impostos, portagens, taxas e "rendas". Mas quando se olha para a representação política que devia ser o outro lado da moeda, constata-se que não têm nenhuma. Os portugueses não têm sequer o direito básico de cidadania que é poder escolher o candidato em que gostariam de votar para os representar no parlamento.



O nosso sistema eleitoral é por vezes referido como "sistema representativo". É um logro: para ser representativo, seria essencial que houvesse uma relação directa entre as preferências dos eleitores e a ida de determinado candidato para o parlamento. Um "representante" só o é, se for ESCOLHIDO pelos representados, PREFERIDO entre várias opções. Se nós não podemos escolher o membro da lista que queremos para deputado, esse alguém NÃO nos representa. Seguramente que os deputados portugueses representam alguém... mas não é quem vota.


O verdadeiro nome do nosso sistema eleitoral é "sistema proporcional de listas fechadas", querendo "fechadas" (ou bloqueadas) dizer que a ordem das listas é IMPOSTA pelo partidos em vez de ser determinada pelos eleitores. Na Europa além de Portugal, a Albânia e a Bulgária são os únicos países europeus de dimensão próxima da de Portugal o usam (Fonte: Wikipedia "closed list" ou "lista fechada"). É com esses Países que nos queremos comparar em termos de democracia? Entre os países maiores, contam-se a Espanha, Itália, Ucrânia e Rússia. A Itália e a Espanha são os únicos regimes de democracia "não duvidosa" - e mesmo esses têm problemas de "fosso" entre cidadãos e políticos - por precisamente as mesmas razões que Portugal.


Os portugueses estão reduzidos a "votar" em listas cuja ordem já foi decidida - pelos próprios políticos! Na prática, os políticos elegem-se a si próprios: as verdadeiras "eleições", já tiveram lugar semanas antes, quando os partidos fizeram as suas listas de "candidatos". São essas listas que decidem quase tudo e é por isso que os partidos querem sempre muito tempo para as preparar, mesmo em estado de emergência nacional. Os primeiros lugares das listas - ditos "lugares elegíveis" - garantem um lugar no parlamento duma maneira que nada tem a ver com as preferências do eleitorado, mesmo quando o partido tem uma grande derrota nas eleições. O parlamento é a casa da partidocracia.


É sabido que faz parte da essência da democracia que o resultado duma eleição não possa estar decidido antes da sua realização. Mas em Portugal, há DEZENAS de candidatos que sabem que vão ser deputados, semanas antes de ser deitado o primeiro "voto". São VENCEDORES ANTECIPADOS! Isto pode ser comprovado pesquisando na Net a expressão "lugares elegíveis". Analisem os títulos de jornais que surgem nas primeiras páginas da pesquisa e constatarão que esses lugares são assumidos como RESERVADOS.


Na prática, este sistema sustenta em cada um dos maiores partidos uma oligarquia que não pode ser totalmente desalojada do parlamento pela via dos votos. Há pois muitos políticos que nunca foram verdadeiramente sujeitos ao escrutínio democrático. Quando a ordem dos candidatos nas listas dos partidos não depende das escolhas dos eleitores, tem de depender de alguma outra coisa - e qualquer que seja essa outra coisa, já não é democracia.


O que falta aos portugueses é o VOTO NOMINAL, ou seja, voto em nomes. Na Europa, existe quase sempre alguma forma de voto nominal. A generalidade dos países europeus de dimensão próxima da de Portugal usa o "sistema proporcional de listas abertas", querendo "abertas" dizer que a ordem de atribuição dos lugares de deputado é para quem recebeu mais votos. (Fonte: Wikipedia "open list"). São DEZENAS de países, incluindo a Áustria, Bélgica, Dinamarca, Finlândia, Holanda, Noruega, Suécia, Suíça, etc (também na Itália, mas não em todas as eleições).


Também o Brasil usa listas abertas: presentemente, o Brasil é um país mais democrático do que Portugal!

Até o Iraque já usa listas abertas!


Com listas abertas, há escrutínio: um candidato só vai para o parlamento se merecer votos para isso. Em democracia, quando um político desilude ou é apanhado a mentir, o caminho é simples: nas eleições seguintes os cidadãos não votam nele, ele não é eleito e sai de cena. Em décadas de "democracia", os portugueses nunca puderam exercer um escrutínio deste tipo. As listas fechadas não o permitem. Os portugueses nem sequer podem travar a "eleição" dos candidatos nos primeiros lugares das listas eleitorais de alguns partidos nos círculos eleitorais grandes (e.g., Lisboa com 47 lugares e Porto com 39 lugares).


Mas o regime português ainda é mais restritivo e fechado pelo facto de ser imposto pela constituição, que nem sequer permite que cidadãos fora dos partidos se possam candidatar ao parlamento - outra direito básico de cidadania habitual no resto da Europa. Com estas restrições, não é possível negar o voto - quer a políticos individuais quer a partidos. Primeiro, porque o voto não é nominal. Segundo, porque apenas votos EM PARTIDOS contam: nada mais entra nas contagens, nem sequer os votos brancos. O parlamento enche-se sempre com 230 deputados, não importa quantos votem. Usando um determinado conjunto de listas eleitorais, duas eleições - uma com 99% do eleitorado e outra com 1% - podem resultar em EXACTAMENTE o mesmo elenco parlamentar.


Este sistema eleitoral propicia a corrupção, porque os lóbis têm mais influência no parlamento do que todo o eleitorado junto. Convém compreender que, quanto mais fraca é a influência do eleitorado sobre os deputados e governantes, mais forte é a influência de outras "forças". Nunca há vazios de poder. Como o escrutínio dos portugueses foi neutralizado, não podem servir de contrapeso à influência dos lóbis. Na prática, são os grupos de interesse que são representados no parlamento, não os eleitores.


Este sistema também bloqueia a renovação interna dos partidos. É costume ouvir-se dizer que "o sistema não é reformável por dentro". Claro que não é! Este tipo de sistemas NUNCA é reformável por dentro. A renovação dos partidos é SEMPRE dirigida por pressões externas. Nos regimes democráticos, essas pressões são os votos em eleições, que transmitem aos partidos os sinais sobre que políticos merecem progredir (porque têm votos) e que políticos devem sair de cena (porque ninguém vota neles). Mas para isso funcionar, os votos têm de ser NOMINAIS. A ausência de voto nominal abafa os sinais que os cidadãos têm para dar, impedindo-os de desempenhar o seu papel na renovação interna dos partidos.


Não é possível desbloquear a partidocracia sem introduzir o voto nominal na eleição dos deputados. Mas como os (actuais) deputados são os donos do sistema, convém não lhes dar bons pretextos para chumbar uma reforma eleitoral. A melhor estratégia é esquecer sistemas muito diferentes do nosso (como os círculos uninominais), pois seria acusada de ser uma "aventura". Também não se deve propor reformas que prejudicam uns partidos em relação a outros, para minorar as resistências. Ou seja, deve-se manter o factor de proporcionalidade tal como está.

Assim, a melhor estratégia é exigir que as listas passem a ser abertas à ordenação pelos votos. Há muita experiência, em muitos países, no uso desse sistema. Todo o resto do actual sistema português pode manter-se como actualmente, incluindo a proporcionalidade (entre número de votos e deputados) e o método de D'Hondt. Também seria importante terminar o monopólio dos partidos na apresentação de listas de candidatos.
Não se vêm argumentos fortes contra esta propostas.

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