segunda-feira, janeiro 03, 2011

Pela salvagurada dos nossos dados

Reconheço que a reacção foi extemporânea e que a linguagem empregue não terá sido a adequada mas tal se deve á extrema inquietação - que deve ser partilhada por todos - tal não foi a surpresa com que li a notícia que dá conta que os EUA, a pretexto da luta contra o terrorismo, querem aceder aos dados do aquivo de identificação nacional, isto é, aos dados que constam dos documentos de identificação nacional de todos os portugueses bem como ainda à incipiente base de dados de ADN portuguesa, que é como quem diz, acesso ao código genético de cada um de nós. O que é mais gravoso nisto tudo é que, de acordo com notícias veiculadas, o governo português não só concordou como cedeu sabe-se lá em que moldes, como anuiu firmando um acordo bilateral com o governo norte-americano faltando apenas ao que parece a necessária ratificação parlamentar.
Ora o que aqui está em jogo é a cedência a uma potência estrangeira de um recurso estratégico de valor incálculável. Trata-se tão só de depositar nas mãos de um país estrangeiro, que hoje é um aliado mas que amanhã ninguém sabe, informação sobre a identidade e código genético de líderes políticos, militares, juízes, agentes das forças de segurança, agentes dos serviços de informações, de empresários, cientistas, médicos, académicos, banqueiros; em suma, todos os cidadãos portugueses. Portugal sempre foi aliado e amigo dos EUA e vice-versa mas tal não implica que no futuro a conjuntura possa, ainda que remotamente, mudar. Se porventura numa determinada e hipotética conjuntura futura, os EUA tenham que sacrificar Portugal ou qualquer outro aliado tendo como alternativa, se o não fizerem, a sua própria ruína estes não exitarão com certeza em sacrificar quem quer que seja para satisfazer a sua estratégia. Quem nos garante que tal informação seja apenas para identificar potênciais terroristas e que no futuro ou até mesmo no presente quem detém essa informação possa usá-la para outros fins?
Portugal é um país com uma área de cerca de oitenta e nove mil quilómetros quadrados e uma população de mais ou menos dez milhões de habitantes. Não representa uma ameaça nem é ameaçado por nenhuma potência porém ocupa uma região de grande valor geo-estratégico (porta de entrada na Europa, zona de passagem do Atlântico para o Mediterrâneo, zona de acesso ao norte de África, zona de passagem do Atlântico norte para o Atlântico sul, etc.) tanto no passado, desde há vários séculos, como no presente e certamente no futuro podendo ser fulcral o seu domínio e controlo. Não deixa de ser estranho que não existindo qualquer actividade terrorista em Portugal actualmente nem existindo condições muito favoráveis para que células terroristas estrangeiras se instalem em Portugal para a partir daí planearem e leverem a cabo os seus ataques como se demonstrou recentemente com o desmantelamento de uma célula da ETA e de uma rede mafiosa o governo americano peça ao governo da república portuguesa que partilhe tal informação. Tal informação a ser partilhada deve recair única e exclusivamente sobre suspeitos de actividades terroristas. O fenómeno do terrorismo serve de pretexto e até tem sido conveniente e útil aos americanos em certos domínios. E se é legítimo que os EUA têm direito a defenderem-se de ameaças e têm direito a um nível de segurança tolerável para si também é legítimo que Portugal também usufrua de tais perrogativas não tendo o governo seja ele qual for qualquer tipo de legítimidade para sacrificar os superiores e vitais interesses do país. Logo seria lógico que, a ser assim, no limite, houvesse uma troca. Portugal cedia os registos dos seus cidadãos a uma potência estrangeira, neste caso aos EUA, mas em troca Portugal ficava com os registos dos cidadãos dessa potência. Não haverá também um grande probabilidade de cidadãos oriundos dos EUA puderem instalarem-se em Portugal com fins pouco amigáveis? É claro que se Portugal lançasse tal proposta para cima da mesa com toda a certeza que os americanos a considerariam inaceitável e sem nenhum tipo de negociação possível. Para além disso, fizeram por acaso os EUA essa proposta a outros países? E por curiosidade, qual a posição desses países partindo do princípio que lhes foi feito tal pedido?
Mais do que a identidade civil e criminal, a identidade genética é fulcral e infinitamente mais valiosa assumindo no futuro um potêncial estratégico enormíssimo podendo até substituir as anteriores. Tenhamos em mente, que aquando da recente Cimeira da Nato em Lisboa, ficamos a saber que o Serviço Secreto, o corpo de segurança presidencial americano, os chamados homens do presidente, aqueles que vemos nos filmes em caso de séria ameaça a rodear o presidente e a dar o seu corpo ás balas, se encarrega de recolher copos por onde o presidente bebeu, talheres ou tudo o que seja susceptível de depositar material genético do presidente americano para que o seu material genético não caia em mãos indesejadas e seja eventualmente recolhido e identificado e o seu genoma descodificado. Só por aí ficamos com uma amostra da importância e do valor que o material genético de um individuo possa ter. Se são tão zelosos nessa matéria é porque certamante têm noção e até os conhecimentos e a tecnologia necessários, ainda que não sejam do domínio público, tendo perfeita consciência do que podem verdadeiramente alcançar no presente e no futuro através de manipulação genética.
E depois há ainda, não menos importante, questões jurídicas a ter em conta a começar pelo facto de se analisar se tal acordo é constitucionalmente aceite.
A diplomacia portuguesa demonstrou ser no passado uma das melhores e mais bem preparadas diplomacias a nível mundial. Esperemos que a diplomacia e os responsáveis, analistas políticos e estrategas portugueses estejam à altura das suas responsabilidades não cometendo o fatal erro da imprudência e/ou ingenuidade a bem da Nação.

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