sábado, junho 17, 2006

Boa Sorte Portugal


Embora ache exagerado o ambiente em torno do Mundial e concorde em absoluto com Alberto Gonçalves e Alfredo Barroso - daí eu ter publicado os seus textos no «Pedra» - não posso deixar de desejar boa sorte a Portugal para o resto do Mundial esperando que a participação portuguesa seja um exito. Bem sei que vem tarde, contudo o execesso de trabalho não me tem deixado muito tempo disponivel para «postar».

Luis Afonso in Correio da Manhã

A elite das chuteiras

A cada dois anos, o ritual segue um protocolo rígido, Há uma competição internacional de futebol. Portugal em peso entra em histeria «patriótica». Algumas almas queixam-se do massacre e são imediatamente suspeitas de conspirar contra o «povo». Preparam-se as fogueiras.
Ainda há dias, coube ao director de «A Bola», Vítor Serpa, acusar Pacheco Pereira do terrível crime de «elitismo». Evidencias? Pacheco Pereira tem fama de «intelectual» e, não satisfeito, escreve artigos em que insinua desinteresse por Cristiano Ronaldo, pelas condições sanitárias da selecção em estagio e pelo futebol em geral. Que a lenha arda devagar.
Entretanto, gostaria apenas de sugerir que «elitismo» não me parece a acusação adequada. Desde logo, o nosso senso comum mostra-nos que as nossas «elites» são altamente sensíveis ao futebol. O prof. Marcelo inventou as bandeirinhas. O dr. Sampaio é um fervoroso adepto. E não têm em conta as «altas personalidade» da política, da cultura e das finanças que trocam o expediente pela sedução de uma final. Mais: os 725 programas sobre o assunto estão atafulhados de romancistas, realizadores de cinema, académicos e restantes espécimes a que, por conforto ou generosidade, podemos chamar de «intelectuais». Como se nota, nem é preciso sair do país e invocar o recorrente aval de Camus, de certos romancistas britânicos, espanhóis e argentinos e, sobretudo, das letras brasileiras, as quais, de Gilberto Freyre a Drummond de Andrade, reverenciam amiúde o dito desporto-rei.
A bem dizer, tirando referências pontuais (e muito classe média: o meu pai, o meu avô paterno, os meus melhores amigos), só vi indiferença generalizada pela bola no Interior rural, que talvez não seja um exemplo nítido de elitismo. Quando eu era uma criança benfiquista e fanática, as viagens à aldeia, inúmeras que fossem, eram sempre acompanhadas de um ligeiro choque: aquelas pessoas, da minha geração, e das gerações acima, não falavam de futebol. No máximo, alguns jogavam-no. Infelizmente, melhor que eu.
Elitismo? O prof. Nuno Crato lembra que o futebol, no qual o sucesso é reservado a pouquíssimos (afinal milionários), é mais elitista que a matemática. O elitismo não é o problema. O problema é que, à semelhança do que sucedeu com Timor, ou com a Expo (ambos com resultados brilhantes), os «desígnios nacionais», na falta de legitimação real, valem-se da unanimidade cega e não admitem excepções. Hoje, não apreciar futebol já é doentio: não venerar a selecção constitui uma violação da paz social, merecedora das piores torturas e insultos. Dentre estes, «elitista» soa bem, mexe nos cordelinhos exactos e serve a grotesca propaganda oficial. Embora não signifique coisa nenhuma.
Até porque há os casos complicados. Como o meu, que gosto de futebol mas prefiro um bom livro, que verei o Mundial mas sem ardores nacionalistas, que delirava com Futre mas não perco tempo com Figo, que tenho uma sogra que foi amiga de Garrincha mas não falo com ela. Eu sou o quê? Elitista? Populista? Esquizofrénico? Aguardo, ansioso, que Vítor Serpa me esclareça.

Alberto Gonçalves in Correio da Manhã

Provocação sem bola

Então e a judoca Telma Monteiro – que conquistou há cinco dias, na Finlândia, o titulo de campeã da Europa – não merecerá patrióticas bandeirinhas nacionais hasteadas em tudo o que é sitio, desde as janelas dos prédios aos tejadilhos dos táxis, passando por portas de mercearias e supermercados, átrios de centros comerciais, bombas de gasolina, cartazes publicitários e ecrãs de televisão?! E haverá 15 mil mulheres dispostas a formar uma nova bandeira humana para homenagear uma jovem atleta de alta competição, com apenas 20 anos, que já arrebatou duas medalhas de ouro, uma de prata e cinco de bronze em campeonatos europeus e mundiais de juniores, de sub-23 e de seniores – e que, neste momento, lidera o ranking mundial de judo na sua categoria (-52 Kg)?!
Estas perguntas são uma provocação, bem sei. O judo não é um desporto popular e mediático que atraia as massas (tanto em sentido próprio com figurado) e mereça um investimento «patriótico» das televisões, da banca, do petróleo, da cerveja sem álcool, e de empresas nacionais e multinacionais de refrigerantes e de artigos desportivos. Quem é que quer ouvir em ippon, yuko, waza-ari ou koka, quando o orgulho da pátria se traduz em off sides, corners, penalties, dribles, fintas, pontapés e golos? E quem é que já ouviu falar no Centro Cultural e Desportivo Construções Norte-Sul, o clube de Almada que a Telma Monteiro representa? Mais: quem é que imagina os sacrifícios que esta jovem atleta olímpica de alta competição tem de fazer e as dificuldades em angariar patrocínios, apesar do notabilíssimo currículo desportivo que ostenta?
É muito mais fácil e mediático encher as primeiras páginas dos jornais e abrir os telejornais com as derrotas, humilhações e fiascos das selecções nacionais de futebol – tanto a principal (Mundial 2002) como a olímpica (Olimpíadas 2004) como, agora, a de sub-21 (Euro 2006) – do que com o feito, inédito, da primeira portuguesa a conquistar o titulo de campeã europeia de judo. Falo desta modalidade desportiva bastante exigente, quer em termos físicos e psicológicos quer em termos técnicos e tácticos, como poderia falar de outras modalidades desportivas que em Portugal já teve magníficos praticantes, como o atletismo, hoje sem infra-estruturas físicas que permitam o treino adequado (em Lisboa, quase só resta o Estádio Universitário). Não me espanta, por isso, o lamento do velho professor Eduardo Cunha (tem 80 anos e ainda treina): «Tenho medo de verdade que Portugal seja campeão mundial de futebol. Porque aí é que acaba tudo!»
Gosto muito de futebol, percebo que ele seja um poderoso factor de identidade e ficaria radiante se os «nossos pés da Pátria» conquistassem o título mundial. Mas custa-me a engolir o desprezo a que são votadas outras modalidades desportivas em Portugal. Sobretudo custa-me a perceber esta insólita associação entre patriotismo e publicidade no futebol. Nunca fui marxista, leninista, maoísta ou trotskista, mas não tenho a menor duvida de que o capital não tem pátria. É tão evidente como o jogo de futebol.

Alfredo Barroso in Diário de Noticias