sábado, novembro 26, 2005

Os otários do costume

Quando José Sócrates anunciou que o aeroporto da Ota sempre vai avançar, anunciou, como não podia deixar de ser, implicitamente, que o lobi (Ota)rio, no interior ou exterior, do Governo, tinha saído vencedor do braço de ferro.
Apesar da tão propalada crise e do famigerado deficit que obriga a apertos de cinto maiores que o mais apertado espartilho que sufocava as senhoras de outros tempos, estão criadas as condições para mais uma obra de regime que irá certamente encher (mais uma vez?) os bolsos a alguns que de otários não têm nada!
Esta obra faraónica segue-se a outra que era, no dizer dos mesmos de sempre, uma obra imprescindível para o país – A construção de raiz ou a remodelação de estádios de futebol.
Dez, no total, quando a UEFA afirmava que apenas quatro eram suficientes. Portugal podia ter escolas a funcionar em contentores em situação provisório-definitiva ou em condições miseráveis, podia ter prisões superlotadas, podia ter tribunais e esquadras de policia a cair de podre, podia ter falta de hospitais, podia ter pontes em risco de ruína, como a de Alcácer do Sal que há mais de 30 anos é provisória (como o resto, em Portugal, que é provisório toda a vida e mais seis meses) e que está em risco de colapso, ou como a de Castelo de Paiva, que chegou mesmo a ruir, tirando a vida a 59 pessoas, vai para 5 anos sem que ainda tenham sido apuradas responsabilidades - afinal, ao contrário do que o Sr. Jorge Coelho, afirmou, na hora da despedida, na sequência da tragédia, do Governo a que pertencia, no qual era Ministro das Obras publicas (ou Equipamento Social? Vai dar ao mesmo! Afinal o nome dos Ministérios muda consoante o Governo o que acarreta ainda mais custos para a república portuguesa, convertida ao nudismo, à tanga e ao fio dental mesmo que o não queira) a culpa é bem capaz de vir a morrer solteiríssima da silva - mas estádios topo-de-gama é que não podia deixar de ter. Os dirigentes desta república como têm deixado, ao longo dos anos, o país cada vez mais desenvolvido e rico não podiam deixar de tentar uma candidatura à organização de um campeonato europeu de futebol. Portugal teve o azar de ser escolhido para organizar o evento e em vez de construir os quatro estádios recomendados toca a fazer dez. Que não seriam, teoricamente, financiados pelo Estado. O que não se verificou na prática e que deixou algumas Câmaras com a «corda ao pescoço». Também não haveriam derrapagens e depois foi o que se viu. Argumentavam as nossas «mentes brilhantes» que este evento iria ser fundamental para a recuperação da economia portuguesa. Baboseiras ditas com o objectivo de enganar os otários. Os resultados estão à vista! Passado ano e meio, desde o fim Euro 2004, não só não se vislumbram sinais de tal recuperação milagrosa como alguns desses estádios converteram-se em «elefantes brancos» estando «às moscas» sem qualquer utilidade. A seguir queriam a American Cup, e até querem os Jogos Olímpicos. Para a primeira, a candidatura portuguesa foi preterida, sendo eleita a cidade espanhola de Valência, e a segunda espero que leve caminho semelhante.
Será de facto o aeroporto da Ota uma infraestrutura assim tão imprescindível para o país? Estará a Portela a dar as últimas? Mas mesmo que assim seja, estará Portugal, financeiramente, em situação de puder ir para a frente com este projecto, em paralelo com a construção da via para o TGV, que virá a implicar a construção de uma nova ponte sobre o Tejo? Depois do que se tem visto, já tudo e mais alguma coisa o povo português deve pôr em causa! Mas o mais grave até nem é isso!
A táctica é sempre a mesma! Inicialmente, começa-se por dizer que o Estado não vai entrar com um único cêntimo, que o capital vem do sector privado e de expedientes, tudo para apaziguar os mais críticos e para a opinião pública engolir melhor a coisa. Foi exactamente assim que agora actuou o Governo. Ao introduzir a questão foi isso que afirmou o ministro Mário Lino. Quando, algum tempo depois, como mandam as regras e como a maioria (os otários) já têm esquecido os pormenores e estando já a questão inserida na ordem do dia, Sócrates anunciou que a decisão já tinha sido tomada (certamente que há muito), e que afinal a coisa iria ser financiada em 10% pelo Estado. Como a obra está orçada em 3000 milhões de euros isso implica que o Estado que, recorde-se, «está de tanga» afinal vai entrar com a módica quantia de 300 milhões de euros. Mas atenção!!! Como, em Portugal, não há obra, desta envergadura, que se preze que não tenha as suas misteriosas e indispensáveis «derrapagens» – que ninguém se digna a investigar onde, como ou porque é que acontecem ou se afinal de contas são os indivíduos que orçamentam as obras em Portugal que avaliam os custos por baixo ou se pura e simplesmente não sabem fazer contas nem orçamentos, o que duvido muito, pois são, certamente economistas, gestores ou engenheiros, em suma, é gente com formação superior que faz este trabalho; não são os serventes ou alguém sem formação necessária para tal. E não me venham cá falar em erros associados aos cálculos porque esses são, se os cálculos estiverem bem feitos, residuais da ordem de alguns pontos percentuais e não erros da ordem dos 100%, 123% – este valor não foi colocado por acaso, foi em quanto excedeu o Metro do Porto em relação ao que tinha sido orçado – 200%, ou até 1000% (!). Como é que é possível alguém calcular algo e chegar à conclusão que afinal o erro associado aos cálculos, que existe sempre, seja maior que o valor obtido???!!! – não tenho dúvidas que afinal o custo total da Ota duplique, triplique, etc. e se fique pelos 10000, 15000, ou até mesmo 30000 milhões ou até mesmo mais. Como o Estado entra com 10%, é fazer as contas, como dizia o outro. E que paga? Os otários, pois claro!
Quem já esfrega as mãos de contentamento são os proprietários dos terrenos onde virá a ser construído o novo aeroporto. Certamente que são (Ota)rios mas não sendo otários, e tendo consciência da dimensão da coisa, já se preparam para a especulação, sobrevalorizando os terrenos embora alguns, mesmo que não sejam otários mas sejam pequenos proprietários, com pouco poder económico e poucas habilitações e terem uma idade já avançada, o mais certo é serem expropriados e não verem, pelo menos por muito tempo a cor dos euros. Maior negócio irão certamente fazer outros (os verdadeiros (Ota)rios) que certamente irão encher os bolsos «à pala» dos otários!
Visão pessimista? Não, são os antecedentes que o demonstram!

sexta-feira, novembro 04, 2005

Recordar a catástrofe... até para que não se repita


1 de Novembro de 1755. O dia amanheceu sereno e soalheiro na capital do Reino de Portugal. Era sábado e como aquele era o Dia de Todos os Santos e aqueles tempos eram de fervor religioso onde ainda imperava a sinistra Inquisição e o Tribunal do Santo Oficio, as igrejas encontravam-se a abarrotar de fiéis que assistiam à missa.
Pouco passaria das 9h e 30 min quando um forte abalo de terra fazia ruir os primeiros edifícios e provocava as primeiras vítimas. Mais dois abalos telúricos com a mesma intensidade haveriam de deitar abaixo mais de dois terços dos edifícios de Lisboa como se fossem castelos de cartas. Repentinamente, os edifícios mais imponentes de Lisboa ficaram reduzidos a um monte de escombros. «Caiu o Carmo e a Trindade»; esta seria sem dúvida uma das frases mais ouvidas, ditas com um misto de estupefacção e temor. Foi uma frase tão forte que ainda hoje se utiliza amiúde. O povo amedrontado deambulava pelas ruas agarrado a santos e terços rezando e gritando por misericórdia, outros certamente agarrados a cruzes de madeira gritariam «vade retro», todos julgando que estavam a assistir ao fim do mundo.
Mandava o bom senso que a população agarrasse nos poucos haveres que pudesse trazer consigo e fosse para a zona ribeirinha onde não haveria edifícios cujas derrocadas traziam consigo a morte. Puro engano! À medida que o tempo passava cada vez mais gente se juntava não só para fugir à destruição como também para assistir a um fenómeno estranho. Inicialmente as águas do Tejo recuaram até onde nunca se tinha visto. Havia até quem dissesse que se viam restos de navios naufragados no rio. De repente e sem aviso ondas gigantescas elevavam-se nas alturas rebentando com violência nas margens engolindo tudo o que aí se encontrava. Ninguém o sabia na época e ainda menos o poderia saber uma população quase na sua totalidade analfabeta. Estava-se perante um tsunami, fenómeno que resulta de actividade sísmica de grande intensidade devido à deslocação das falhas geológicas que provocam grande agitação sobre as massas de água. A força das águas era tal que o Tejo penetrou quase meio Km terra dentro destruindo a zona ribeirinha. «Foi rés vez Campo de Ourique»! Outra expressão que se haveria de perpetuar.
Mas o terror ainda não acabara. O fogo haveria de dar o golpe de misericórdia na martirizada Lisboa. Bandos de saqueadores que aparecem sempre por estas alturas haveriam de semear mais medo e destruição. Diz-se que para afugentar os legítimos proprietários dos seus bens, ateavam fogos. O fogo não só o que era ateado pelos malfeitores mas principalmente aquele que teve origem nas inúmeras velas e lareiras acesas haveria de se encarregar de consumir o que ainda restava. Como se não bastasse levantou-se uma forte ventania que alimentou as chamas de tal forma que Lisboa haveria de arder por vários dias. Calculam-se em mais de dez mil, só em Lisboa, as vítimas do cataclismo. A destruição fazia-se por todos os lados de tal forma que se falou mesmo em conspiração dos elementos.
Embora nos refiramos sempre ao acontecimento como o Terramoto de Lisboa, por ter sido aí que os efeitos mais se fizeram sentir, o que é certo é que o sismo haveria de fazer inúmeras vitimas e estragos por todo o sul do Reino. Todas as populações ribeirinhas ao longo da costa haveriam de sentir os efeitos do maremoto inclusive Madeira e Açores. Houve bastantes vítimas entre os pescadores, principalmente no Algarve. E não apenas em Portugal mas também no norte de Africa nos efeitos do abalo telúrico se fizeram sentir. Em Fez, Marrocos, também se estima que as vitimas foram aos milhares.
As réplicas do sismo de 1755, um dos maiores de que há registo, fizeram-se sentir praticamente durante um mês o que adensou ainda mais o medo.
Passaram 250 anos e embora já se compreendam os mecanismos naturais que estão na origem dos sismos ainda não se consegue prever com enorme exactidão quando ocorrerá o próximo sismo de grande intensidade. O que se sabe, com toda a certeza, é que ocorrerá outro sismo destas dimensões. Houve outros, de grande intensidade, antes de 1755 e certamente que no futuro haverá mais. A melhor forma de minimizar os seus efeitos é a prevenção. Não são os sismos que provocam vítimas mas sim a fragilidade das construções que não tenham capacidade e flexibilidade suficientes para resistir ás ondas sísmicas. Se não se tomarem medidas nesse sentido, não só Lisboa mas as zonas de maior risco serão palco de nova tragédia. É bom que não só os governantes e autarcas, mas também a população, não menosprezem a Natureza! Compete a cada cidadão exigir que as normas anti-sísmicas sejam aplicadas não só às suas construções como também a obras públicas.
Os engenheiros que reconstruíram Lisboa tiveram o sismo em linha de conta. Com o passar das décadas esse zelo foi esmorecendo. Entretanto rasgaram-se túneis no subsolo e desviaram-se ribeiros subterrâneos. Pretendeu-se levar o Metro até ao Terreiro do Paço mas esta zona ribeirinha e de aluviões não permite que se façam túneis de tal forma que ainda hoje as obras continuam convertendo esta zona num imenso estaleiro. Este tipo de obras tem sido responsável por pôr a estacaria de pinho verde, uma inovação da época, que há dois séculos sustém o Terreiro do Paço, local que resultou da reconstrução de Lisboa, a descoberto levando ao seu apodrecimento. Pouco ou nada sei de engenharia e ainda menos sei o que se passa no subsolo da capital mas espero bem que os engenheiros tenham sempre em conta o risco sísmico e que tenham incluído este factor nos seus cálculos senão receio bem que aquando de um novo cataclismo Lisboa não só ruirá como abaterá, em grande parte, sobre si mesma.

quinta-feira, novembro 03, 2005

O que tu queres sei eu!

No mínimo surpreendentes. É assim que certamente muito boa gente vê as recentes declarações do Primeiro-Ministro italiano, Sílvio Berlusconi, acerca da invasão do Iraque. Dizia o Sr. Berlusconi, salvo erro na semana passada, que não só sempre se opôs à invasão do Iraque como ainda tentou demover o presidente Bush de tal acção.
Estas palavras, vindas de um dos maiores apoiantes da invasão e ocupação do Iraque, que se traduziu em violentos e virulentos ataques de membros do seu Governo e de membros dos partidos, que fazem parte da coligação governamental, contra os muçulmanos e no envio de tropas italianas para aquele país em número tal que o contingente italiano chegou a ser o terceiro maior a ocupar o Iraque, soam estranhas. Então agora, depois disto tudo, o homem dá-lhe para isto?
A explicação é simples. A invasão e ocupação do Iraque e consequente saque das suas riquezas naturais e outras no que pretendiam vir a ser a ser um dos maiores negócios das Arábias não aconteceu bem da forma como estavam à espera. Só no contingente italiano, a guerrilha e os terroristas ligados à Al Qaeda chegaram a matar duas dezenas de militares italianos de uma só vez, em Nassiriah, e já para não falar nas dezenas de milhar de mortos iraquianos desde 2003 (se calhar só os ocupantes já mataram e torturaram mais iraquianos do que o regime sanguinário de Saddam) quando os invasores falavam em zero baixas e guerra cirúrgica. O que acontece é que as eleições legislativas, em Itália, estão para breve. Com o avanço da esquerda – em boa parte devido ao caso do Iraque – encabeçada pelo antigo comissário europeu, Romano Prodi, Berlusconi vê-se obrigado a desmarcar-se destas posições, procurando branquear a sua imagem e as suas decisões sobre esta matéria na esperança de conseguir enganar alguns milhares de eleitores mais incautos. Tivessem os resultados no Iraque sido outros e logo veríamos se estas declarações veriam a luz do dia. Por outro lado, ganhe Berlusconi as eleições e logo o veremos mudar o discurso. Foi certamente isso que ele disse a Bush na sua recente visita aos EUA. É caso para dizer «o que tu queres sei eu»! Só espero agora é que o eleitorado italiano não se deixe enganar e dê a Berlusconi aquilo que ele merece.

quarta-feira, novembro 02, 2005

Muito bem Sr. Primeiro-Ministro!

Foi com grande satisfação que ouvi o Primeiro-Ministro Sócrates afirmar que vai honrar a sua promessa eleitoral referendando o aborto. Esta decisão surge, como se sabe, depois do Tribunal Constitucional ter inviabilizado a realização de um novo referendo para o início do próximo ano pelas razões que todos sabem.
Ainda se falou na possibilidade de aprovar a despenalização do aborto no Parlamento, como queria desde sempre o PCP, felizmente que tal nunca se veio a concretizar. É inacreditável o sentido democrático destes camaradas que só querem que se façam referendos e se dê a palavra ao eleitorado quando têm a certeza da vitória. Já o BE querendo mostrar que é uma força verdadeiramente democrática queria que o referendo fosse avante mas com o chumbo do Tribunal Constitucional estalou o verniz e o Bloco pôs-se imediatamente ao lado do PC alegando que a situação humilhante por que passam as mulheres portuguesas não pode continuar assim por tanto tempo. Eu pergunto: Que situação?! Que se saiba não existe, neste momento, em Portugal qualquer mulher presa por ter abortado! Desculpas! É incrível como estas minorias querem sempre impor, se necessário à força, as suas ideias e projectos!
Depois dos juízes do Tribunal Constitucional se terem pronunciado, tudo indicava que o PS também desse o dito pelo não dito e enveredasse pelo mesmo caminho o que, devo dizer, seria uma vergonha para a democracia portuguesa. Que a extrema-esquerda, que é tão democrática quanto a extrema-direita, defenda tal coisa não surpreende agora se o PS se deixasse levar...
Quem defende tal coisa; se se diz democrata, devia era ter vergonha na cara! Esqueceram-se por ventura tais figurões que em 1998 esta matéria foi referendada e que venceu o NÃO?! Depois de permanecerem em silêncio durante alguns anos eis que ressurgem novamente com a ideia da despenalização. De início argumentavam que como o número de participantes no referendo foi inferior a 50% este deveria ser repetido mas posteriormente perderam a vergonha toda e queriam por força que a lei fosse aprovada dentro das quatro paredes do Parlamento longe de todos branqueando o passado, ignorando que se realizara um referendo e que o eleitorado decidira democraticamente e em consciência.
Não se pense que o que faço aqui é a apologia do NÃO! Se fosse o SIM que tivesse vencido, nas mesmas circunstancias, em 98, e fosse agora o PSD ou o CDS-PP a barafustarem para impor o NÃO, desse por onde desse, no Parlamento, eu teria saído a terreiro na mesma a criticar tão vergonhoso e antidemocrático procedimento! O que está aqui em causa é uma questão de democracia e não do sentido de voto numa determinada matéria. Então eu e outros milhões de portugueses fizeram o possível e o impossível para ir votar, disseram de sua justiça, independentemente de qualquer que fosse o sentido da sua decisão e depois passados meia dúzia de anos vêm dizer-nos que aquilo que nós expressamos nas urnas não tem valor algum e que nos limitamos a fazer figura de palhaços indo votar?! E diz-se esta gente democrática?!
Com esta decisão, a minha consideração por Sócrates aumentou muito. Embora eu não acredite muito nele (sempre o considerei semelhante a Santana Lopes) e o tenha visto a quebrar muitas promessas eleitorais – o que para mim não constituiu surpresa rigorosamente alguma pois muitas dessas promessas são pura e simplesmente irrealizáveis não passando apenas de promessas com objectivos eleitorais sendo por essa e por outras que eu não votei PS nestas legislativas (só se deixou enganar quem quis) – o que é certo é que, fosse pelo que fosse, Sócrates, neste caso soube manter-se firme nas suas promessas e revelou, em simultâneo, um apurado sentido democrático. Espero agora que não dei o dito pelo não dito!